No livro A Corporação, Joel Bakan ilustra a personalidade psicopática das empresas.

Ele faz um retrato fiel, robusto e assustador da característica mais marcante das corporações movidas pela busca incessante do lucro a todo custo.

Ele deixa claro que essa personalidade das empresas, respaldada jurídica e administrativamente, não é uma maldade intencional. É uma natureza, assim como o tubarão é uma máquina assassina sem maldade alguma. Simplesmente, se você ficar na frente de um tubarão faminto, ele, com sua potência dentária, habilidade náutica e precisão operacional, vai te matar. Para comer. Ele não é mau, nem bom. Ele só faz o que sua natureza manda fazer.

As corporações foram fundadas, são geridas e seguirão, muitas delas, a operar desta forma, pois foram estabelecidas assim. Para que uma mudança nelas aconteça, não basta um novo entendimento no mindset mundial sobre o que as empresas devem fazer para agredir menos o ambiente e beneficiar mais as pessoas. É preciso mudar a Cultura do negócio, das políticas às práticas. E para muitos negócios, isso não é fácil. 

Empresas fundadas em um tempo remoto e movidas pelo valor exclusivo do lucro, continuarão a operar da mesma forma. E isso é natural para elas: foram feitas para isso e não estão sendo más. Como os tubarões. É de sua natureza.

Mesmo assim, a adequação às leis, a extinção do trabalho homólogo ao escravo/infantil, o respeito às diversidades, o controle de carbono, serão adotadas com mais velocidade, mesmo nas “empresas dinossauro”, com as “cascas mais duras”, pois uma fiscalização estatal e jurídica, somadas à pressão do consumidor, ajustam a conduta.

O Capitalismo é um Sistema, um Regime. Ele não é bom, nem mau. O que foi feito dele, como as empresas operaram nele é que foi Mal. E ficou conhecido como o Capitalismo Selvagem.

O livro do Joel foi escrito em 2004 e retrata desde a Revolução Industrial, passando por casos emblemáticos históricos como o da fábrica incendiada em 1911, até os processos de falência multi-bilionárias, como o caso da Enron no fim do século passado.

E Bakan foi muito assertivo. O Friedman, também citado por ele, está certíssimo: as corporações do Capitalismo Selvagem são psicopatas.

Mas, naquele tempo, naquele mindset, não tinha como ser diferente.

Porém, o que nasceu no início deste século é “outro bicho”.

Em 2006, mesmo ano em que fundamos a ABISSAL, foi fundado do Sistema B nos Estados Unidos. A certificação cedida por este órgão, rastreia e mensura o impacto das empresas com fins lucrativos, promovendo uma economia mais inclusiva, equitativa e regenerativa, de acordo com seu próprio posicionamento.

O Instituto Ethos no Brasil, determina parâmetros de uma empresa responsável desde o fim do século passado. E muita coisa a respeito da agenda socioambiental empresarial entrou em pauta em 1992, com a Eco92, no Rio de Janeiro.

A consciência a respeito de toda a problemática socioambiental e sobre a iniciativa privada ter parte, responsabilidade e/ou condições de liderar uma mudança, remete à última década do século XX.

Na primeira década do século XXI surgem empresas, pensamentos, líderes, instituições, certificações e entusiastas que já passaram do ativismo ecologista e socialista. Brotou no mundo uma consciência a respeito do quanto as empresas podem ter lucro agredindo menos e beneficiando mais.

Mas, para uma mentalidade deste porte se materializar, leva um tempo.

Quando Joel Bakan constata em 2004 que não é possível uma empresa ser saudável, pois sua natureza é psicopática, é porque ele não tinha visto a nova realidade, já que esta aflorou depois de ele ter escrito o livro.

O nascimento da ideia de um Capitalismo Saudável é recente. Esta é a instituição mais nova do planeta. Em termos existenciais e históricos, este modelo está engatinhando, mas já nasce encantando o mundo com a beleza do seu impacto. Ainda está longe da maturidade e escala. Mas está vivo e forte, sendo alimentado por quem o ama, sendo subsidiado por quem acredita nele e o vê como a solução mais indubitável de sucesso para o mundo que almejamos.

O que estamos presenciando é o aflorar do que virá a ser o novo mindset global do mundo dos negócios. As empresas conscientes, saudáveis ou de impacto, são o novo ser capitalista.

A questão não é se as corporações “do passado” (que ainda existirão por bom tempo) são máquinas de ganhar dinheiro desumanas ou não. Isso é fato; elas são sim. E lembramos que são assim não por mal, mas por natureza.

A notícia é que dentro do mesmo modelo econômico já temos empresas que obtém lucro prestando serviços ou vendendo produtos que causam impactos positivos.

Não é mais um sonho, uma tentativa ou um idealismo filosófico. Estas empresas existem, comprovam seus impactos e estão crescendo.

As Empresas B, por exemplo, já somam quase 5 mil no mundo. Ok, são poucas ainda. Mas este movimento nasceu em 2006. O Capitalismo Selvagem se desenvolveu ao longo dos últimos 150 anos. Tenhamos paciência!

É curioso que, quando os portugueses chegaram ao Brasil, os indigenas não conseguiam enxergar as caravanas no mar se aproximando das praias. Seus olhos não computavam aquilo, pois nunca tinham visto na vida. Nenhum antepassado havia lhes falado sobre isso, porque, simplesmente, aquilo “não existia”. Avistaram os barcos quando estavam muito próximos e foi possível perceber que havia pessoas em cima deles. Antes de estarem a poucos metros de seus olhos, lhes pareciam uma miragem, algo que poderia ser desconsiderado, pois, não fazia parte de sua realidade.

Assim é o Capitalismo Saudável, Consciente, de Impacto Positivo, enfim, o Bom Capitalismo. Existe sim, e já chegou. Mas muitos ainda não conseguem enxergar.

Se fosse outro tubarão malvado, o pessoal nem veria de onde veio a derradeira mordida.

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